A MULHER ARRASTADA - dica
“A Mulher Arrastada” enquanto dramaturgia surge para dar corpo, voz e atenção a tudo o que vem acontecendo nos últimos dias, surge como um acalanto pós execução da Marielle. É lógico que a escrita surge muito antes deste último fato, mas serve para pensar e refletir, questionar até quando, ou melhor, quantas Cláudias, Marielles, Marias e tantas outras vão perder suas vidas e nada, absolutamente nada irá acontecer.
A escrita de Diones me toca de uma forma intensa, primeiramente, pelo fato de eu ser negro, e me identificar muito com estas memórias, e segundo que a escrita é provocativa, não esbarra no fato da premissa da peça, estar em todas as mídias, o que poderia escorregar e cair em clichês ou até mesmo na criação de uma história melodramática tentando apenas emocionar o leitor/espectador com o drama da pobre vítima Cláudia. Mas graças ao olhar apurado, “A mulher arrastada” é um texto que a começar pela estrutura, eclode o drama assim como ocorre em autores pós-modernos, como Sarah Kane e até mesmo Heiner Müller.
O texto ”A mulher arrastada” é permeado de memórias fragmentárias e inconstantes, ficção e realidade andam juntas, também a dimensão do tempo está desconstruída: não há noção de passado e presente, separação de eu e outro; em caráter de hibridismo (o texto é um poema dramático, narrativo, concreto, e extremamente político); um novo estado de expressão e percepção em uma escrita que é distante da estrutura tradicional de enredo. A fragmentação do sujeito contemporâneo é alcançada esteticamente com a utilização de recursos como as figuras do HOMEM e das SOMBRAS que tem a função de situar os passos de Cláudia, a utilização de uma narrativa não linear, não especificação das personagens e do cenário, distorção do senso de realidade e de tempo.
O trabalho de Diones é um verdadeiro “tour de force” dramatúrgico, e agora fico aqui na expectativa de vê-lo ganhar vida no corpo da Celina Alcântara que é uma intérprete maravilhosa, uma atriz negra que tem na sua força a sua razão de ser e de representar tantos e tantos artistas negros dentro da academia. Em minha opinião não tinha outra atriz a não ser ela, que foi minha orientadora na graduação. Que as palavras deste potente texto possam ecoar e quem sabe transformar o olhar de muitas pessoas para que Claudias e Marieles estejam sempre PRESENTE entre nós!
* Diego Ferreira é Graduado em Teatro pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul. Professor de Teatro na Unisinos e no La Salle. Diretor do Grupo Skatá. Faz parte da Comissão Julgadora do Prêmio Açorianos Revelação 2018 e atualmente é membro do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo.
Escreve criticas no blog Olhares da Cena http://olharesdacena.blogspot.com.br/
A Mulher arrastada no 25 Porto Alegre em Cena
Dias 19 e 20 de setembro, 22h
Galeria La Photo - Travessa da Paz, 44 - Farroupilha - Porto Alegre/RS
(Foto Regina Peduzzi Protskof)