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Thiago Pirajira: representatividade e resistência


(Foto: Josemar Afrovulto)

Thiago Pirajira é um dos atores e diretores em destaque na atual cena teatral da cidade. É Mestrando em Educação PPGEDU/UFRGS, ator e produtor da UTA - Usina do Trabalho do Ator, diretor artístico do Grupo Pretagô de Teatro, membro do Coletivo Teatral Carnavalesco Bloco da Laje e membro do GETEPE- Grupo de estudos em Educação, Teatro e Performance da Faculdade de Educação - UFRGS. Atualmente está em cartaz com as comemorações dos quatro anos do Pretagô, no projeto "Ocupação Pretagô 2018 - Boteco do Paulista" que oferecerá ao longo do ano atividades artísticas como saraus, performances, espetáculos, pocket-shows, rodas de conversas.

Cênicas: Como surge o Pretagô?

Thiago Pirajira: O grupo surgiu em 2014 no Departamento de Arte Dramática da UFRGS durante a montagem do espetáculo “Qual a diferença entre o charme e o funk?” que foi seu ponto de partida. O espetáculo foi parte do trabalho de conclusão de curso da então aluna Camila Falcão e a partir desse encontro o grupo começou a se efetivar, apesar de que naquele momento ainda não tínhamos um nome e nem sabíamos o que viria pela frente. É importante ressaltar que esse encontro dentro do curso de Teatro na universidade se deu a partir das Políticas de Cotas (Ações Afirmativas) que possibilitaram e seguem possibilitando o ingresso de mais alunas e alunos negros na universidade.

Cênicas: Como fazer um trabalho representativo politicamente, mas sem se descuidar de um consistente trabalho estético?

Thiago Pirajira: Nosso grupo é jovem. Nesse mês de maio completamos quatro anos. Nesse período, debruçamos nossos esforços para contar nossas próprias histórias e recontar a história oficial a partir das nossas vozes. As narrativas são o que dão sentido a todas as estruturas de mundo e pensar nossas pautas, nossas próprias histórias como argumentos de nossos espetáculos leva para a cena um confronto político. Não por que escolhemos assim, mas por que somos política. Corpos negros que criam novas narrativas em coletividade são uma afronta à estrutura dominante, isso é fato. Temos aí o que, aos olhares distantes, pode ser entendido ou taxado como representação política, o que não deixa de ser, mas para além, é um exercício de liberdade. E a estética está diretamente ligada a essa construção, na medida em que o que elaboramos como argumento se reflete na forma na qual a cena é apresentada. A cada espetáculo, experimentamos possibilidades estéticas, sem seguir um rigor. Experimentamos a cada novo trabalho. Trabalhamos com e em liberdade. Enquanto a estrutura colonizadora insiste em nos enquadrar por sob uma única possibilidade, nós nos desdobramos em muitas, nos reinventamos, nos refazemos. É como se disséssemos: você acha que somos só isso? Pois não somos, somos muitas coisas. Somos complexos, profundos. É de nós, isso.

Cênicas: Podemos dizer que diferente de 10 anos atrás, hoje temos um incipiente mercado de trabalho para atores e encenadores negros no Rio Grande do Sul?

Thiago Pirajira: Há 10 anos eu tinha 24 e acho que não estava tão atento ao meu redor, então não tenho muita propriedade para analisar esse período cronológico. Mas tentando me aproximar, o que percebo é que temos cada vez mais negras e negros artistas em coletividades, seja no teatro, na música, nas artes visuais, no cinema, etc. Creio que há 10 anos,, quando importantes nomes da cena negra local emergiam, se consolidavam ou já estavam consolidados, ainda sim eram poucos os grupos negros ou artistas negros em carreiras individuais. Hoje, devido ao espaço aberto pelas nossas mais velhas e nossos mais velhos, conseguimos nos articular com um pouco menos de dificuldades, com mais recursos, entre eles as redes virtuais, com mais acessos a formação na área e futuro espaço no mercado. Ainda assim a estrutura mercadológica da arte, majoritariamente branca e elitizada, se mantém segregadora dos corpos negros, seja os excluindo dos espaços, ou tematizando e se apropriando de nossas culturas. Um bom exemplo das maquinações do racismo estrutural e estruturante na qual vivemos. Como embate a essa cultura, eu tenho perseguido e disseminado tanto no grupo quanto nos demais projetos artísticos com artistas negros a ideia de pensar nossas culturas não como temáticas ou objetos, mas como perspectivas: lugares de onde emergem discursos, que escrevem as narrativas de mundo. Essa é minha luta pessoal, que venho colocando em prática: trazer para nós mesmos as autorias de nossas narrativas. E creio veementemente que para uma potente presença de negras e negros no mercado artístico é necessário termos negras e negros nos postos de poder e de decisão na economia cultural que engendra esse mercado. Nós estamos prontos, preparados, qualificados e a postos. O trabalho maior a ser feito é os agentes desse mercado reconhecerem a estrutura colonizadora estruturante em que estão e abrirem espaços para nós. Pois do contrário seguiremos nos coletivizando e invadindo, ocupando e entrando a força.

Cênicas: Nos espetáculos do grupo vemos uma presença significativa de espectadores negros na plateia, muitos dos quais não costumavam frequentar teatros antes. A que você atribui isso? Seria por identificação com os artistas?

Thiago Pirajira: Com certeza. Representatividade não é tudo, mas é quase tudo. Identificar-se com algo ou alguém é se encontrar, se rever, se confrontar, se ampliar. Há uma grande potência no reconhecimento do outro em si e vice versa. Perceber as plateias dos espetáculos do Pretagô com muitas pessoas negras diz respeito ao desejo e realização de se enxergar, se imaginar em lugares de potência, em possibilidades outras que não as subalternizadas pela pelo padrão da supremacia branca, que apaga nossas potências e pluralidades. Um dos retornos mais significativos que o grupo vem trazendo a arte teatral da cidade é a formação de espectadores. Muitas pessoas negras que nunca assistiram uma obra teatral e conheceram o trabalho do Pretagô hoje consomem teatro de uma maneira mais global, desenvolvem um senso crítico artístico e fomentam uma economia que diz respeito a nossa profissão. Um olhar mais atento para o público é fundamental para termos a fidelidade deste que é o centro de tudo. Criamos para o outro. Para que o outro se sinta confrontado, reconhecido, potente, capaz.

(Foto: Josemar Afrovulto)


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