Vermelho Esperança - Do outro lado do vidro fechado
Como sempre, não havia lido nada sobre o espetáculo até chegar na bilheteria para comprar meu ingresso para o espetáculo “Vermelho esperança”. Apenas recebido a indicação de um amigo. Tinha achado o nome criativo, porém, não me dei conta que fazia referência ao sinal fechado do trânsito. Entretanto, bastou alguns minutos de peça para eu compreender que o mesmo instante, que as pessoas que tem pressa de chegar ao seu destino odeiam, é, para aqueles que estão pelas ruas da cidade, a chance de conseguir algum trocado. Se tivesse escrito assim que terminou o espetáculo, provavelmente, minha opinião seria outra. Sai desconfortável, achando que havia uma exaustiva repetição de cenas. Entretanto, com o passar dos dias, não pude negar a forte impressão que a história causou em mim. Desde o primeiro instante, não tive dúvidas de que todo elenco era muito bom. Desempenhavam seus devidos papéis de forma muito consistente, verdadeira, mostrando um profundo estudo de cada personagem e, exatamente, por isso, causaram esta sensação de que eu estava, de fato, diante dos pedintes do dia-a-dia. Aqueles dos quais temos medo, que nos irritam ou nos causam pena. E, por mais que os momentos pudessem parecer idênticos (fecha sinal/abre sinal), aos poucos, eles vão acrescentando parte da história de cada um, suas mazelas, seus sonhos e desejos. E as razões que os fizeram acabar ali. Algumas falas brutais são ditas em coro com as mesmas palavras daqueles que os rechaçam, ou seja, nós mesmos. "Não toca no meu carro". Dizem todos em alto e bom som. "Tira essa mão imunda do meu para-brisa" ou algo assim. Então, a gente está dentro de um teatro sem poder fugir, fingir que não vê e não tem nada de agradável nisso. Só que ninguém disse que teatro é apenas diversão. E, ali, está um incrível exemplo disso. Entrar no cotidiano daquelas pessoas por um pouco mais de 1h me deixou incomodada, o que dirá para eles que aqueles gestos, falas, fatos, se repetem o dia todo, todos os dias? E tem o cara que faz movimentos de palhaço, a vendedora de rosa, o que pede um troco para comer, assim como aquele que explora os demais, entre outros "tipos". E dá para sentir que existe um trabalho forte de direção que sabe alternar os deslocamentos deles no palco, que, com tão poucos objetos de cena, nos faz visualizar todos aqueles motoristas imaginários, que vai aos poucos apresentando aquela rotina e, mesmo eu, que sou sensível a essas figuras das ruas da cidade, sai mexida com o que eles conseguiram fazer. Porque tem horas que a ficção é ainda mais cruel que a realidade. É ela que nos leva a ver o que preferimos ignorar. Aliás, uma das falas contundentes do coro é: “Eu vejo um mundo que finge não me vê”. Um espetáculo impactante que, com certeza, ficará registrado em minha memória e será lembrado a cada "vermelho esperança".
10 a 31 de maio, quartas, 20h
Sala Álvaro Moreyra - Erico Verissimo, 307
Ingressos a R$ 20,00
Helena Mello é jornalista, mestre em Artes Cênicas pelo Programa de Pós-Graducação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Graduado em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul tem sua pesquisa voltada para a crítica nos tempos digitais, sob a orientação de Edélcio Mostaço. É professora e tradutora de francês.