Brechó da humanidade (RS)
Afirmamos que um bom texto teatral não tem cor, nem credo, nem carteira de identidade, nem partido político e nem paixão futebolística. Um bom texto teatral é como uma espécie de sol que pode iluminar a todos os que estiverem sensíveis a receber esta luz. Alguém que pretenda ser público em uma peça de teatro adulto precisa saber que estará fazendo parte de um contrato invisível, fazendo parte de um pacto que diz respeito a conhecer e apreciar ou não (as vezes a palavra gostar me parece muito pesada) a “coisa” artística que vai ser oferecida através do trabalho daqueles que se preparam ou se habilitaram, para apresentá-la.
A construção de um texto pode ser feita por um único par de mãos, mas também há textos que são frutos de uma escrita colaborativa.
Cabeças e mãos podem mudar o mundo, para melhor ou para pior. Geralmente bons textos acabam se transformando em bons espetáculos, que não conhecem a data de validade e que ainda por cima paqueram com a eternidade. Enquanto houver um punhado de pessoas que se emocione com o espetáculo “Brechó da Humanidade”, está posta na mesa a justificativa para assistir o espetáculo.
Quando visto pelo prisma da produção cultural da cena porto-alegrense, o espetáculo deve ser avaliado pela independência emocional que seu resultado gera na sociedade (fugir da mesmice dos sentimentos e da preguiça de fazer uma obra de arte que instigue). Sim, o trabalho dos produtores culturais, artistas, técnicos dos espetáculos e intelectuais, são e devem ser capazes de gerar uma independência emocional social e coletiva, por qualquer linguagem ou escola estética que abracem, desde que a abracem honestamente.
O espetáculo divide conosco uma visita aos Atlas geográfico e histórico. Pessoas de continentes e em épocas diferentes se cruzam por motivos semelhantes, por serem vítimas de crimes quase análogos. Como público, os 50 minutos foram janelas que se abriram para a minha sensibilidade de adulto tomar um pouco de ar fresco, sentir a riqueza textual, a primorosa direção e a correta atuação do ator com os seus objetos.
Teatro de objetos. Doce ou perigosa magia?
O conjunto dos objetos propostos pela direção teatral forma um sistema com densidade e homogeneidade . Os objetos perdem a sua característica óbvia e passam a simbolizar outros valores ou outras pessoas dentro da composição da teatralidade. No caso do “Brechó da Humanidade”, a quantidade de objetos presentes no palco designa com exatidão o tipo de imagem que se propõe, a profundidade que se pretende atingir com esse imaginário e sobretudo a intervenção do ator com esses personagens que são revelados pela ressignificação dos objetos.
Quanto de Memória Social é debatido quando um espetáculo como o que assistiremos é apresentado? Teatro, memória e esquecimento, que se faça todo o possível para que o público não seja um pedaço de esparadrapo que se coloca por cima do machucado, porque mesmo que o machucado aberto cicatrize, nunca vai deixar de ser um machucado.
Dias 29 e 30 de março; 05, 06, 12 e 13 de abril
quartas e quintas, às 20h
Sala Álvaro Moreyra - Erico Verissimo, 307
R$ 40,00
Plínio Mósca é diretor e professor de teatro, tecnólogo em Produção Cênica e mestre em Memória Social e Bens Culturais pela Unilasalle de Canoas, atua como membro do Conselho de Cultura do Estado do Rio Grande do Sul e foi condecorado como Chevallier desArts et des Lettres de la République Française em 2004.